INCLUSÃO DIGITAL: UMA UTOPIA PARA ESPECIALISTAS DO CIBERESPAÇO


Tempo de leitura: 5 minutos

(Por Geraldo Feitosa)

O enorme turbilhão de aparatos tecnológicos hoje disponíveis em nosso meio, talvez sinalize para alguns, que a inclusão digital contemplará toda a humanidade dentro de pouco tempo. Isto é de certa forma compreensível, pois a chamada convergência das mídias, vem paulatinamente transformando a maneira de ouvir música, de assistir TV, de ler livros, revistas, jornais. A verdade é que, nos últimos tempos, as formas de comunicação e informação passaram a ser, cada vez mais transmitidas em bits (dígitos binários, sequências de zero e um), que podem decodificar imagens, sons, gráficos, textos, vídeos, entre outros.

Para além de ser este, simples indicativo de um discurso publicitário, é fato concreto que a grande mídia, usa de todo o seu poder para promover a divulgação do pensamento acima explicitado, visando convencer a sociedade de que esta é a grande saída, que finalmente mudará o mundo, ao tempo em que viabilizará a aproximação entre todos os seres humanos, igualando cada vez mais as suas chances de inclusão, independentemente das especificidades de cada indivíduo.

Ressalvada a ingenuidade dos mais puros de sentimento, compete-nos alertar para o fato de que tal pensamento tem a mesma origem de muitos outros de que já nem se fala atualmente, talvez para não se ter que reconhecer o fracasso de tantos prognósticos mal fundamentados, que num piscar de olhos, passaram de esperança à desilusão. Veja-se por exemplo, que apenas há alguns anos, também se acreditava que os alimentos transgênicos iriam acabar com a fome no planeta. Pelo menos esse era o
discurso amplamente divulgado, e ao mesmo tempo defendido pelos papas do agronegócio e pelos empresários que seriam os detentores das patentes das tais sementes milagrosas, que, como sabemos, ficou só na vontade, se é que havia mesmo alguma vontade, além da relacionada com a possibilidade de se aferir altos lucros.

No caso da propalada inclusão digital, o que está em jogo é a ideia de que a mesma contemplará integralmente toda a sociedade humana, que a partir de um determinado período, disporia de ferramentas para resolver com rapidez e eficiência todos os seus problemas. Neste ponto, parece-nos haver algo similar entre este, e outros prognósticos que não se concretizaram, com a diferença de que, a frustração de tais
expectativas, dar-se-á, não por falta de ferramentas, mas pelo excesso destas, haja vista a difusão da ideia de que o que é lançado agora deve substituir o anterior porque é superior. Senão vejamos: o computador, a internet com todos os seus mecanismos de interatividade e suas redes sociais, o telemóvel com tecnologia touchscreen, o smartphone, a TV interativa, a lousa e o livro digital, são apenas alguns exemplos da vasta gama de novas possibilidades que já se encontram a disposição da sociedade de consumo.

Além disso, é fato que uma infinidade de outras tecnologias estão sendo constantemente desenvolvidas e rapidamente colocadas à disposição do mercado, as quais mais rápido ainda são condenadas à obsolescência, pelo surgimento de muitas outras que diuturnamente estão sendo gestadas. Assim, Por mais paradoxal que possa parecer, longe de contribuir para a inclusão das pessoas, toda essa parafernália de soluções tecnológicas, geram no presente e vão continuar gerando para o futuro, uma espécie de estresse tecnológico, que ao fim e ao cabo, terá como resultado o surgimento de uma multidão cada vez maior de excluídos do mundo digital.

Estes, que por certo constituirão a grande maioria da sociedade universal do futuro, não terão condições para absorver as mudanças, posto que não basta apenas ter acesso ao computador e dominar os conhecimentos básicos de informática. Para estar digitalmente incluído, o ser humano precisará acompanhar constantemente as atualizações tecnológicas impostas pela indústria do setor, algo que o condena a empreender uma incessante corrida, em busca do alvo pretendido, a fim de poder fazer parte de um meio que gradativamente tornar-se-á cada vez mais seleto.

Conforme nos fala o professor Eugênio Trivinho, em seu livro, “A Dromocracia Cibercultural”, esta É uma violência que Não passa por símbolos, linguagem ou palavras. A violência da cibercultura se realiza como pressão social, que vem de todos os lados e de lugar nenhum. O indivíduo sabe que não tem chances se não dominar as senhas infotécnicas: o computador, o protocolo de acesso, uma prática de continuidade e o conhecimento conforme a exigência da época e principalmente a capacidade econômica e cognitiva de acompanhar as reciclagens estruturais dessas mesmas senhas, que hoje já ocorre num período de tempo extremamente curto.

A julgar por este prisma, ao tempo em que dirigimos o nosso olhar para o futuro, somos forçados a reconhecer que apenas os especialistas do ciberespaço é que poderão se dar ao luxo de acompanhar a velocidade com que o mundo produzirá tecnologia nos anos à frente. Quanto as demais pessoas, continuarão vivendo como faveladas do ponto de vista digital, haja vista que a grande maioria, já no presente não dispõem de condições econômicas, intelectuais, sociais e estruturais para acompanhar este desenvolvimento. Esta exclusão, contudo, se fará sentir com muito maior peso entre as pessoas com deficiência, e Assim, de cara, já se exclui
cerca de 15% da população mundial, posto que as suas necessidades específicas, sequer são levadas em consideração pelas empresas produtoras dessas tecnologias em nosso planeta.

Isto se dá, porque o mercado, à medida em que foca basicamente nas pessoas de maior poder aquisitivo, alija por tabela este quantitativo populacional, que como se sabe, na maioria dos países do mundo, ainda se encontra literalmente à margem do mercado de trabalho, e em consequência disto, fora do hall dos potenciais consumidores. Por conseguinte, fica o mesmo sempre a depender de iniciativas isoladas, da parte de governos e de empresários sensíveis à causa, os quais por assim dizer, podem ser hoje contados nos dedos das nossas mãos.

Mesmo assim, por certo sempre haverá alguém que argumente, que algo já foi desenvolvido em termos de tecnologia Assistiva, visando a inclusão digital desse segmento. Todavia, embora seja isto verdade, o que também não se pode ignorar, é o fato de que com o conhecimento tecnológico que detêm os especialistas deste setor, muito mais já poderia ter sido construído em prol do exercício da cidadania desses 15% da população mundial. Em assim sendo, apesar desses louváveis esforços, temos de reconhecer que as conquistas até então obtidas neste campo podem ser consideradas como irrisórias, pois as pessoas com deficiência, mesmo as bem aquinhoadas economicamente, ainda continuam “engatinhando”, do ponto de vista do acesso à tecnologias que lhes assegurem verdadeira inclusão na era digital.

Se nos tempos idos, o surgimento da escrita dividiu o mundo entre letrados e iletrados, fosso que persiste até os nossos dias, e que ainda gera exclusão de bilhões de seres humanos em todo o globo, a exclusão digital terá um efeito ainda mais danoso, posto que muitos optarão por trocar suas matrizes de comunicação, isolando-se consequentemente em aldeias, absolutamente inacessíveis para aquelas pessoas que não conseguirem atender as expectativas do mercado. Para aqueles que ingenuamente ainda acreditam que a inclusão digital atingirá indistintamente a todas as pessoas, basta lembrar que no passado, os especialistas do ciberespaço previram que a tecnologia aproximaria os indivíduos e faria com que estes passassem a trabalhar menos. O que vemos hoje? – as pessoas estão cada vez mais solitárias e trabalhando cada vez mais, para obter cada vez menos, inclusive em termos de valores econômicos.

Com base na realidade que se nos apresenta, forçosamente temos de aceitar que esta certamente será a tônica cada vez mais presente na sociedade do futuro, caso o mundo persista no atual modelo de desenvolvimento tecnológico que vem implementando. Excludente sob todos os aspectos, este modelo, ao ignorar as especificidades inerentes aos seres humanos, e ao privilegiar excessivamente o ter, em detrimento do
ser, fatalmente caminhará para o cumprimento da “profecia” do professor Trivinho, quando afirma: “Aquele que hoje está tecnologicamente incluído não tem o seu amanhã garantido na cibercultura.”

Geraldo Feitosa é Poeta Cordelista, escritor de crônicas e Romances, Professor Brailista e Analista de TIC. É membro do Comitê Nacional Cegos com Lula Presidente.


3 respostas para “INCLUSÃO DIGITAL: UMA UTOPIA PARA ESPECIALISTAS DO CIBERESPAÇO”

  1. Será que alguém acredita piamente que nos grotões da China, do Brasil, das Américas, da Índia, Canadá, e outros cartões seus moradores terão acesso a essa porção de conhecimento, de tecnologia, enfim terão acesso a isso tudo em tempo e hora que necessitarem será que tudo isso será parte da realidade desses povos Será?

  2. Palavras verbalizadas com
    Clareza! Uma inclusão digital onde a equiparação de recursos para isso não existe torna-se uma exclusão disfarçada de avanço onde poucos conseguem acompanhar! Parabéns! Eu sou compatível ao mesmo pensamento!

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